por Guilherme Barros

Este artigo é a continuação do artigo anterior ambos os textos foram retirados do livro Deus Casamento e Família.
Outra passagem bíblica deixa claro que Deus forma o feto no ventre e que, de fato, tem conhecimento pessoal da criança não nascida: “Antes que eu te formasse no ventre te conheci e antes que nascesses te consagrei e te designei como profetas Nações” (Jeremias 1.5; confira também Jó 10-12; 31.15; Salmo 119.73; Eclesiastes 11.5). Embora o antigo testamento não forneça uma discussão teórica quanto ao feto ser ou não uma “pessoa”, ele retrata o feto como obra de Deus e objeto de seu conhecimento, amor e cuidado, de modo que sua destruição pode ser considerada contrária à vontade de Deus.
O profundo respeito pela vida no estágio pré-natal que observamos no antigo testamento também é revelado pela estipulação mosaica para que quem fizesse mal a criança não nascida ainda no ventre da mãe fosse castigado: “vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por Pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe” (Êxodo 21.22-25). Como todas essas passagens sugerem claramente, as escrituras consideram que a vida humana se inicia na concepção e que não existe um “direito humano” de tirar a vida de uma criança não nascida. Essa ideia está em harmonia com a declaração bíblica de que Deus é o Deus da vida e de que toda a criação (especialmente os seres humanos) é preciosa e digna de ser preservada (p. ex.. Salmo 8). nesse sentido, as Escrituras são nitidamente distintas das culturas pagãs antigas.

Embora as tentativas de aborto fossem comuns no mundo antigo, mais corriqueiro ainda era o abandono de bebês depois do nascimento. Um dos principais motivos do aborto ser menos comum era a grande probabilidade de a mãe morrer ao abortar. Ademais, os meninos eram mais valorizados do que as meninas, de modo que as pessoas esperavam até depois do nascimento para saber o sexo do bebê. Caso fosse menina, optavam muitas vezes por abandoná-la como exemplifica um papiro pré-cristão não literário do Egito escrito por um homem chamado Hilário de Alexandria à esposa, Alis, em seu lar no interior: “Rogo e suplico, cuide do pequenino, e assim que recebermos nosso pagamento, eu enviarei a ti. Se, porventura deres à luz uma criança, e se for menino, deixa o viver; se for menina, abandona-a” (P. Oxirrinco 744). O bebê era abandonado em um montão de lixo ou um local isolado. Outra realidade triste era que, por vezes, mercadores de escravos recebiam bebês e os criavam para vendê-los como escravos ou, no caso de meninas, como prostitutas (Justino, Apologia 1.27). No mundo greco-romano, o abandono de bebês não era considerado infanticídio, mas sim, recusa em recebê-lo na sociedade, uma ideia desprovida de implicações morais negativas.
Essas práticas contrastavam nitidamente com a lei Judaica que, com base em Êxodo 21.22-25, proibia o aborto (Josefo, contra Ápio 2.25 §202; Pseudo-Focílides 184-185; b. Sinédrio 57b) e o abandono (Fílon. Leis especiais 3.110-119; Virtudes 131-133; Oráculos sibilinos 3:767-766; Tácito, Histórias 5.5). A passagem de Êxodo citada acima estipula que quem ferir uma gestante e lhe causar dano deve ser castigado, “vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé”, etc. (a lex talionis). Para a lei Judaica, essa pena deixava implícito que a vida antes do nascimento tinha o mesmo valor que a vida depois do nascimento. Fílon,Escritor judeu do primeiro século, no trecho acima citado de sua obra Leis especiais, Faz distinção entre o aborto realizado no início ou no final da gestação e se pronuncia contra este último (Leis especiais 3.110-119).
A exemplo dos judeus os cristãos primitivos também condenavam o aborto e o abandono. O Didaquê, Manual antigo de instrução eclesiástica diz: “não cometerás homicídio […]: não farás aborto, não cometerais infanticídio” (Did. 2.2). A Epístola de Barnabé afirma, semelhantemente: “não farás aborto, não cometerás infanticídio” (Ep. Barn. 19.5). Em sua Primeira Apologia, Justino escreve: “Quanto a nós, porém, fomos ensinados que abandonar crianças recém-nascidas é prática de homens perversos […] primeiro, porque vimos que quase todos abandonados desse modo […] são criados para prostituição […]” (Apol. 1.27). A Carta a Diogneto descreve os cristãos da seguinte maneira: “Casam-se, como fazem todos os homens, têm filhos, mas não abandonam sua prole” (Ct. Diog. 5:6; cf. tb. Atenágoras, Súplica 35; Minúcio Félix, Otávio, 30-31).
Não é nosso objetivo aqui tratar de forma direta do debate contemporâneo a respeito do aborto. Conforme as passagens bíblicas e extrabíblicas citadas acima deixam claro, porém, o mundo antigo testemunhou uma diferença marcante entre a cultura pagã e os ensinamentos judaico-cristãos a esse respeito. Embora certos elementos de complexidade tenham sido introduzidos na discussão moderna, muitas das questões pertinentes já eram tratadas no primeiro século da era Cristã (até mesmo antes desse período). Como o levantamento acima mostra, de acordo com o conceito judaico-cristão tradicional, a vida começa na concepção e somente esse conceito faz jus aos ensinamentos das Escrituras e a vida e prática da Igreja Primitiva. Por esse motivo, o aborto deve ser considerado um ato tão não autorizado de tirar a vida humana antes do nascimento, o que é contrário à vontade de Deus.

Este artigo é uma porção adaptada do livro, Deus, casamento e família: Reconstruindo o fundamento bíblico.






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